Ameaçada por desmatamento, garimpo e pecuária, preservação da floresta ganha fôlego abastecido por indústria 4.0. Novo projeto visa fomentar negócios que protegem o bioma e distribuem lucros entre habitantes locais.
Entre árvores frutíferas nativas e rodeada pela Floresta Amazônica, Selma Ferreira aguarda uma grande transformação na dinâmica do trabalho que faz com outras 40 mulheres na Amabela – Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Belterra, município no Pará. De forma artesanal, elas coletam e transformam caroços de cupuaçu – que antes iam para o lixo – num produto apreciado: um tipo de chocolate.
A mudança tão aguardada virá em forma de tecnologia. Uma fábrica sob medida será instalada no início de 2022 para que elas consigam ganhar mais com o que retiram cuidadosamente da floresta.
“Os pesquisadores já explicaram o projeto pra gente. Estamos empolgadíssimas, queremos desenvolver um produto de qualidade, apresentar uma boa venda, levar nosso chocolate para o Brasil, para o mundo”, diz Ferreira. Por enquanto, a iguaria só é fornecida às feiras da região.
Esse ambiente criado pelo esforço dessas mulheres, movidas pelo slogan “do lixo para a mesa” e que aproveitam todas as partes das plantas nativas, é como um laboratório perfeito para testar o experimento dos cientistas à frente do projeto Amazônia 4.0.
A iniciativa propõe uma via alternativa à que está em curso na região, atualmente pavimentada pelo desmatamento, garimpo e pecuária de baixa produtividade. O projeto quer comprovar que existem modelos de negócio que podem preservar o bioma com maior biodiversidade do mundo, evitar emissões de gases de efeito estufa liberadas pelo corte e queima da mata, e distribuir a riqueza gerada entre os habitantes da floresta.
“Nossa meta é ajudar a agregar valor à matéria-prima que vem da floresta, do trabalho dos locais, para que essa economia da floresta em pé seja superior à economia do trator, da destruição”, explica Ismael Nobre, diretor científico do Amazônia 4.0.
Alta tecnologia para os moradores da floresta
A fábrica móvel aguardada por Ferreira está quase pronta, a mais de 3 mil quilômetros dos pés de cupuaçu e cacau de onde ela retira os frutos. Em São José dos Campos (SP), a equipe de pesquisadores faz os últimos ajustes antes do transporte até a comunidade amazônica.
Ancorado no conceito de indústria 4.0, em que máquinas são criadas com tecnologias como inteligência artificial, robótica, internet das coisas e computação em nuvem, o projeto pensa em modelos para incentivar a bioeconomia e recompensar os conhecimentos tradicionais.
“As tecnologias da quarta Revolução Industrial tornam possível, pela primeira vez, pensar numa economia de valor agregado feita junto e por atores locais”, comenta Nobre.
A ideia é que todo o processo, da coleta na floresta à produção final, fique nas mãos das comunidades, assim como o lucro. Estudos sobre diferentes cadeias feitos pelos pesquisadores mostram que matérias-primas saem da Amazônia por baixo valor e, quando atingem alguns mercados, viram artigos caros, como cosméticos vendidos fora do país que levam açaí ou o próprio cupuaçu em sua composição.
De todos os empreendimentos em fase de desenvolvimento, chamados de Laboratórios Criativos da Amazônia, o que envolve cacau e cupuaçu é o mais avançado. Inicialmente, ele contará com uma fábrica inovadora pequena, para demonstração do modelo, movida à energia solar. Um sistema de rastreabilidade automático, com tecnologia blockchain, permitirá que o consumidor consulte todas as informações de origem do futuro chocolate.
“Nós vamos oferecer treinamento nas comunidades nessa fase inicial. O sistema todo automatizado também vai permitir que o resultado final da produção seja compatível com mercados internacionais”, adiciona Nobre.